Queria
recordar como isso aconteceu, o instante correto. Entretanto, minhas memórias
são como abstrações ensurdecidas por um grito desesperado de minha mente. Não
recordo com exatidão, sei que nos últimos meses tenho tido percepções
precárias, indícios de uma loucura prematura que talvez esteja me abatendo.
Sinto estar vivendo a realidade de forma rasa e distante, como se participasse
paralelamente de um contínuo sonho lúcido, com raríssimos momentos de completa
clareza. Detesto essa sensação, ainda que muitos possam vir a invejar minha
condição, almejar essa minha visão subdividia entre os dois mundos. Detesto
essa sensação cuja qual não possuo se quer controle, abro os olhos e meu corpo desorientado
treme, uma adrenalina que me assusta percorre e vejo as pessoas cruzarem
lentas, vivendo a vida a forma pacata enquanto minha cabeça lateja, de repente
não estou mais aqui. Aperto minhas têmporas, alguém discorre um sermão absurdo
sobre algo que não entendo, caso pudesse a vir me observar de fora, veria meus
olhos exaustos declarando minha vida fatigada, a pessoa que conversa agora
comigo não percebe meus olhos, não percebe sua cansativa desumanidade e
continua a dialogar em uma linguagem diferente da minha. Meu martírio segue os
dias em momentos em que estou em todos os lugares, mas não estou em nenhum. Meu
corpo físico está só, ancorado na existência de que não pode fugir, embora
minha alma vague sublime por muitos outros recintos, desvinculada de minhas
responsabilidades cotidianas. Minha condição me enerva, quisera eu possuir
controle, decidir onde estarei, quando estarei. Ser dona desse meu acaso,
escolher quem irá transcender minhas barreiras e tocar meu íntimo, mas não é de
meu domínio! Pois toda vez que falo, que ajo, que gesticulo, eu não sou eu. Eu
sou ninguém, eu sou vaga, estúpida, ínfima e distante. Eu não estou aqui e aterrorizante
chego a crer que alguém jamais chegará a me conhecer.
Um comentário:
Fui lendo e pensando "isso...isso...isso..isso". Muito bom.
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